
Bauru por baixo da saia
Eram tempos diferentes, de uma Bauru com outros ares. A ferrovia não descansava e, na estação, embarcavam e desembarcavam centenas de aventureiros com as mais distintas intenções. A construção das linhas de trem fez da cidade um reduto de homens “solteiros” – deixavam suas senhoras a esperar em casa e vinham para a “capital da Terra Branca” resolver questões da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
Dos executivos de mais alto escalão aos operários da companhia, qualquer um pisava em Bauru com a possibilidade de esconder a aliança no bolso do paletó sem ser importunado por sua consorte. Dessa maneira, a potencial clientela já estava estabelecida antes mesmo da primeira “pensão” abrir as portas em Bauru.
No centro da cidade, mais precisamente na rua Costa Ribeiro, a zona do meretrício se desenvolveu para abrigar todos esses sujeitos carentes. Uma verdadeira variedade de moças, para todos os gostos e bolsos. Aportavam por lá, inclusive, francesas e polacas – ou pelo menos se diziam, forçando sotaque e ludibriando os pobres corações que se afugentavam por ali.
Bauru buscava esse quê de Rio de Janeiro, tentando reproduzir o glamour da velha capital, com sua atmosfera cosmopolita e boêmia. E, de certa forma – se comparado o entroncamento ferroviário bauruense à zona portuária carioca –, havia semelhanças, afinal, chegavam às duas cidades muitas pessoas, vindas de uma enxurrada de lugares diferentes.
Pois encerrado o expediente, as atrações de Bauru eram inúmeras. Os mais jovens praticavam o famoso footing na saída do cinema e na sorveteria. Flertavam com as moçoilas, mas eram obrigados a deixá-las na porta de casa antes das dez. Interrompido o namorico, alguns desses rapazes se juntavam aos homens já feitos nos excelentes bares do centro para afrouxar suas gravatas.
Depois de uns goles, partiam para a zona do meretrício, onde alguns deixavam suas modestas economias e outros perdiam patrimônios inteiros. Zanzavam pelos prostíbulos, deliciando-se com as meninas. Foi nesse cenário que Eny Cezarino construiu sua reputação e, elevando seu puteiro a outro patamar, virou referência. Na rua Rio Branco, esquina com a Costa Ribeiro, número 5-50, consagrou-se.
Todo o charme boêmio que se configurava nas noites e madrugadas do centro da cidade passou a se tornar incômodo ao passo que Bauru se desenvolveu. O espaço que antes era apenas o antro da luxúria passou a ser também área de “convívio civil”. A proximidade com residências familiares, colégios, igrejas e praças públicas fez surgir uma campanha de “higienização” do entorno da Costa Ribeiro.
Pouco a pouco, a zona foi movida para outro lugar. Seguindo o exemplo de Juscelino Kubitschek, que transferiu a capital do Rio de Janeiro para Brasília, os bordéis foram todos reerguidos em um bairro ironicamente chamado de Novacap. Ali morreu o encanto das supostas putas francesas de Bauru. E a nova zona não tinha, também, as curvas de Niemeyer ou o ar moderno do “presidente bossa-nova”. Se assemelhava muito mais ao “Mangue” carioca, com direito às estatuetas de São Jorge no batente das camas, banhadas pela luz vermelha.
Apenas Eny escapou.
